Entrevista de Zé Pedro dos Xutos e Pontapés…Venha Conhecer o Que Disse a Um Jornal da Nossa Praça…Vale a Pena…

Zé Pedro dos Xutos & Pontapés Fonte: http://i.olhares.com

Hoje trago uma entrevista que li num diário da nossa praça, trata-se da transcrição de uma entrevista de um grande ídolo de Portugal, trata-se do guitarrista dos Xutos & Pontapés, O Grande Zé Pedro, passo a transcrever a referida entrevista, mas não vou tecer nenhum comentário a entrevista, pois penso seja esclarecedora.

«Zé Pedro “Quando deixei o álcool, ia para a garrafeira pôr-me à prova”

É dos músicos mais acarinhados em Portugal. Fundou os Xutos & Pontapés e há um mês deixou os fãs em sobressalto. Já passou

Chega atrasado ao encontro, após muitos telefonemas para agendar esta entrevista. Aos 53 anos, e depois de ter vivido recentemente um episódio clínico difícil, o músico é um homem feliz. Não desfaz o sorriso quando fala da família, da música, das drogas e do amor. Numa altura em que os Xutos & Pontapés ainda celebram 30 anos de carreira, Zé Pedro puxa a fita atrás e recorda os tempos de Timor, a chegada a Lisboa, a movida punk e os dias de aspirante a músico passados nos jardins da capital. De cerveja na mão e uma ganza na outra. Coisas de outros tempos.

O fim de 2009 foi para esquecer, safou-se de boa.

Por causa da doença? Safei-me de boa há oito anos, aí, sim, foi grave. Quando entrei no hospital a coisa estava mesmo negra. O que aconteceu agora foi por desleixo meu. A minha doença obriga-me a alguma vigilância médica, mas tive um ano muito complicado em termos de trabalho e acabei por me descuidar. Estive bastante tempo no hospital porque andei a fazer a revisão geral, coisa que não fiz durante o ano. Já tinha estado internado noutra altura, mas sem esta exposição. Como tive de cancelar o concerto toda a gente ficou a saber.

Como lidou com a exposição pública de um episódio destes?

Fico muito sensibilizado com o cuidado das pessoas, a quantidade de mensagens e toda a solidariedade. É impossível isso passar-me ao lado, mas há uma coisa que nunca gostei de fazer: preocupar os meus amigos e familiares. Quando não estou bem, prefiro ficar sozinho. As minhas irmãs queixam-se muito disso e a minha namorada também, mas como sou um optimista por natureza gosto de passar essa imagem.

Os problemas de saúde obrigaram-no a mudar muito o estilo de vida?

Actualmente não, mas há oito anos tive de deixar as drogas e o álcool. Na verdade já estava muito farto das duas coisas. E esse foi o meu grande cuidado, além da obrigação de ser seguido regularmente por um médico e não poder fazer directas. Antigamente fazia bastantes, as drogas e o álcool também proporcionam isso. Esticas as coisas ao limite, coisa que hoje em dia não faço.

Não sai à noite?

Gosto muito de sair à noite, mas agora escolho mais as saídas. Não saio por sair, só quando tenho um bom motivo. Ontem [quarta-feira], por exemplo, fui ver os Arctic Monkeys. Continuo a ir ao estrangeiro ver concertos, ao cinema, a festas nos clubes de música ao vivo. Hoje em dia gosto mais de um serão em casa com amigos do que sair simplesmente para os copos. Até porque já não há copos. [Risos]

O que bebe?

Água e chá. E não me faz a menor confusão que as pessoas bebam à minha volta. Há oito anos que não toco em álcool, apesar de ter sempre bebidas alcoólicas em casa. São para oferecer aos amigos e à namorada. Normalmente até sou eu que escolho o vinho que tenho em casa. Há oito anos fazia um exercício: ia para a garrafeira ver o que me acontecia.

Para se pôr à prova?

Era quase terapêutico, ver se tinha um impulso.

E tinha?

Não, nunca. Foi tranquilo, não precisei de tratamento psiquiátrico nem nada dessas coisas.
Quando foi parar ao hospital, em 2001, o médico deu-lhe poucas hipóteses. Que sentiu na altura?

Senti que tinha todas as chances e que me ia aguentar. É um sentimento que vem da alma, tenho sempre um feeling, sei quando as coisas me vão correr bem ou mal. Sou muito optimista e, neste caso, tinha a certeza de que ia aguentar. Estava esperançado, a não ser que tivesse um azar.

Mesmo com uma opinião médica tão contundente?

Acredito que a nossa mente tem uma força muito grande, especialmente na cura do corpo. Ter espírito positivo e não nos deixarmos abater ajuda muito. Acho que foi por isso que me safei, graças à forma positiva como encarei a doença.

O facto de ser muito ligado à família ajudou-o a superar esses momentos?

Tenho cinco irmãs e um irmão, com uma diferença de idade muito curta. Os nossos pais deram-nos um suporte familiar sólido, somos muito unidos. E isso ajuda no dia-a-dia, tanto na forma como nos relacionamos uns com os outros, como com o mundo exterior. Quando um de nós está mal, há uma mobilização instantânea de protecção e ajuda.

Viveu em Timor até aos seis anos. Tem memórias desse tempo?

Há uma coisa extraordinária: lembro-me perfeitamente do dia em que vi electricidade e uma cidade pela primeira vez. Em Timor não havia prédios nem apartamentos, as casas eram de colmo e as estradas de terra batida. A luz que tínhamos vinha de um gerador. Lembro-me que na vinda para Lisboa, de barco, parámos em Hong Kong. Chegámos ao fim da tarde e tive um flash enorme ao ver o anoitecer, todos aqueles néons a acenderem-se. Para mim, eram coisas que não existiam, foi quase descobrir a civilização.

E a chegada a Lisboa, como a recorda?

Vir para Lisboa depois de viver num estado semi-selvagem foi uma mudança muito grande. Acabámos por ir parar aos Olivais, que na altura era um bairro em construção, não fazia bem parte da cidade. Lembro-me de ver pela primeira vez um autocarro, enquanto jogava à bola. Tudo me entusiasmava. Sempre adorei viver na cidade.

Havia música em sua casa?

Nessa viagem que fizemos de barco, o meu pai comprou uma aparelhagem, em Hong Kong, daquelas com discos de 78 rotações. Era uma pessoa muito ligada ao jazz e foi com ele, juntamente com a minha mãe, que assisti ao meu primeiro espectáculo, um concerto de Miles Davis no Festival de Jazz de Cascais.

Foi começar em grande.

Nessa época o Miles Davis andava muito influenciado pelo Jimi Hendrix, usava um penteado parecido e tocava uma espécie de jazz rock, com uma série de gente importante. Foi a partir daí que comecei a ligar-me à musica. Passei a estar mais atento, a seguir as bandas. Em 1969, os meus pais compraram uma televisão para assistirmos à ida à Lua e tive a sorte de ver um concerto dos Deep Purple. Fiquei fascinado, passei a comprar todas as revistas da especialidade, ouvia Creedence Clearwater Revival…

Numa altura em que as coisas demoravam a chegar a Portugal.

Por isso é que tinha um grupo de amigos que se juntava para encomendar discos de Inglaterra; seguíamos as bandas de culto, procurávamos coisas novas. Ainda hoje faço muito isso, dá-me imenso gozo descobrir novos projectos. Para mim, o rock’n’roll não serviu apenas para tocar, era todo o conhecimento, experiência de vida.

Desse grupo de amigos fazia parte algum elemento dos Xutos?

Os Xutos vieram mais tarde, só os conheci para formar a banda. Comecei a ouvir falar de punk em 1976, através de um pequeno artigo sobre os Ramones, e acabei por mandar vir o primeiro álbum de Inglaterra. Com a evolução do movimento, acabei por ir a um festival de punk, em 1977. Em 1978 conheci o Kalu, através de um anúncio de jornal.

Já tocava alguma coisa?

Não, apenas umas notas soltas. O meu pai tocou guitarra em Coimbra, quando foi estudante, e eu aprendi com um livrinho de posições. Nada de especial. Mas o punk tinha essa característica muito saudável, dava o direito de tocar a qualquer pessoa. Quando nos juntámos para o primeiro ensaio as músicas eram todas minhas, era o que tocava menos (risos). Não sabia tocar, por isso convinha que as músicas fossem todas minhas, para não entrar em grandes confusões. (risos)

Fazer uma banda em 1978 era um privilégio.

Tenho a impressão que o punk modificou isso tudo. Antes era muito difícil um gajo ambicionar ser músico, levávamos muito mais com bandas de jazz do que rock. Quando o movimento chegou a Lisboa – a uma escala menor, claro – começou também a animação no Bairro Alto, com bares interessantes como o Rock House, o Frágil. Tudo isso foi importante para o surgimento de bandas como os Xutos, os Minas e Armadilhas, e depois a geração do João Peste.

Na altura, havia uma grande movida na Avenida de Roma. Porquê, o que se passava lá?

Não se passava grande coisa. Era onde nos encontrávamos, na Munique, uma cervejaria no Areeiro que hoje é um banco. Íamos lá beber uns canecos, metíamos uns alfinetes na boca ou onde calhasse, pintávamo-nos e cada um tinha a sua banda. Na verdade eram bandas que não existiam mas que nós tínhamos na mesma. Não sabíamos tocar, mas aquela ideia tornava-nos importantes. Durante o dia estávamos na Avenida de Roma, entre o Vává e o Tic-Tac. Um dos elementos dos Sétima Legião vivia em frente ao café, onde começaram a ensaiar. Havia uma série de músicos naquela zona, o Ribas vivia em Alvalade, tal como o João Cabeleira, éramos o pessoal dos jardins que se ocupava entre as ganzas e o pertencer a uma banda.

Passavam assim o dia todo, sem fazer nada?

Rigorosamente nada. Limpávamos a calçada e pertencíamos a uma banda. Isso bastava.

Impossível pensar que daí nasceria uma carreira de 30 anos.

É muito imprevisível. Todos tínhamos uma vontade enorme que isso acontecesse. E de alguma maneira, eu, o Kalu e o Tim fomo-nos segurando durante estes 30 anos. Houve alturas em que quis desistir e eles não deixaram. Quando o Tim acabou o curso e quis começar a trabalhar nós também não o deixámos. Também me lembro que, no início, o Kalu quis ir viver para os EUA. Mas acabou por ficar.

É verdade que nessa altura era conhecido como Podrezinho?

Sim. [Risos] A alcunha devia-se ao Johnny Rotten (Sex Pistols). O movimento punk era uma coisa vadia. Os Ramones andavam todos rasgados e eu usava umas luvas brancas que se desfizeram nas minhas mãos. Estavam podres.

Como lidava a sua família com isso?

A família aguentava-se. A minha mãe sempre gostou deste lado artístico e achava que eu tinha veia, nem sei bem porquê, apoiava-me sempre. Até foi ver um dos primeiros concertos dos Xutos. O meu pai nunca viu. Era militar, musicalmente estava mais ligado ao jazz, era normal que não ligasse muito. Mas apoiou-me, quando percebeu que a coisa se estava a tornar mais séria.

Quando aconteceu isso?

Acho que foi no primeiro concerto, aí, sim, sentimos que a coisa podia ser a sério. Tocávamos mal mas tínhamos uma grande atitude.

O que era isso de ter uma grande atitude? Em palco?

Acho que acreditávamos muito no que podíamos fazer. E é isso que faz uma banda. Um grupo composto por músicos muito bons não costuma resultar bem, os egos chocam muito, não conseguem fazer canções. Nós íamos para o palco e defendíamo-nos muito como banda. A confiança é muito importante, se não for em exagero. Além disso, sempre trabalhámos a sério, ainda hoje somos uma banda muito disciplinada, apesar de parecermos caóticos.

Cultivavam muito a ideia de sexo, drogas e rock’n’roll?

Esse conceito não era uma prioridade, mas nunca nos importámos de sermos conotados com esse tipo de coisas, éramos uma banda de rock com tudo o que isso significa. Claro que há sempre exageros nessa associação, muita gente fantasia com os músicos de rock, dizem “aquele deve ser um grande maluco, faz isto e aquilo”. Ainda hoje se fantasia com a vida do Keith Richards, mas ele é que a viveu, ele é que sabe. Para o comum mortal aquele estilo de vida pode ser uma perfeita loucura, para ele são coisas normais.

Sente que exagerou esse conceito do rock?

Eu? Eu garanto que exagerei. Em tudo: nas drogas, no álcool e no sexo. E ainda bem, pelo menos vivi a coisa completa.

Nunca sentiu que a banda podia estar a perder-se do caminho?

Houve alturas em que nos perdemos, mas é também para isso que existe um grupo: há sempre alguém que chama atenção, põe os pontos no is. Chamaram-me a atenção várias vezes, devido aos meus exageros.

Numa entrevista disse que esteve quase num beco sem saída?

É verdade, há momentos melhores outros piores. Mas sempre tive boas âncoras: a família e a banda que nunca me deixaram tombar. Os Xutos foram muito importantes, foi a adolescência toda, a entrada na vida adulta.

Mas só deixou a heroína com a morte da sua mãe.

Às vezes precisamos de um motivo forte para deixar determinadas coisas. Podia dar-se o processo inverso, mas tive a felicidade de dar volta pelo outro lado. Como no filme do Woody Allen, “Match Point”: a bola bate na rede e pode cair para qualquer um dos lados. Felizmente para mim caiu sempre para o lado certo.

Antes bebiam uma garrafa de tequilla por concerto. Como é encarar o palco sóbrio?

É normal que uma pessoa viva períodos de festa e o rock’n’roll tem muito a ver com esse culto do álcool e das drogas, até com um certo vício que se cria. Mas o vício está todo na maneira como se vive. Se o encontrares naquilo que gostas de fazer, sim, também podes encontrar aí a verdadeira adrenalina. Claro que no meu caso só consegui saborear isso com uma certa maturidade, saturação, e não ter outra hipótese: se quisesse continuar a viver tinha de encontrar adrenalina em coisas mais saudáveis. Os desportistas têm adrenalina suficiente para não precisar de drogas. O rock’n’roll também.

Nestes últimos anos andou a recentrar a sua vida. Li que queria ser pai. É verdade?

Essa é uma ambição normal de qualquer ser humano. No meu estado actual, físico, profissional e espiritual, permito-me pensar nisso. Sempre fui muito dado às crianças, aos meus sobrinhos e se calhar nunca tive essa oportunidade. Pode ser que aconteça. Ou não.

E os Xutos, como estão?

Os Xutos estão para durar, acho que vai ser até um de nós cair para o lado. [Risos]

São muito próximos uns dos outros?

Sinceramente não me vejo a viver sem os Xutos. Temos a banda – que é o que nos faz estar juntos – e uma relação muito saudável. A amizade inclui zangas e estarmos sem falar durante algum tempo, mas também assistir aos projectos paralelos de cada um. Não estávamos juntos desde que fizemos o concerto no Restelo, a 26 de Setembro. Íamos tocar na passagem de ano, não fosse aquilo que me aconteceu. Voltámos ontem [quarta-feira] aos ensaios, correu muito bem. Já estávamos com saudades.

Mas é no palco que os Xutos são os Xutos.

As pessoas reconhecem-nos isso, temos uma boa relação com o público pela forma como damos e recebemos energia. Também há um pouco a visão de esperança: há 30 anos quisemos ser uma banda e ainda hoje cá andamos. As pessoas agarram-se muito aos sonhos.»

In: http://www.ionline.pt/conteudo/45505-ze-pedro-quando-deixei-o-alcool-ia-garrafeira-pr-me–prova, a 06 de Fevereiro de 2010, em Jornal I

Força Zé Pedro

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