Hoje trago um artigo sobre um apresentador de televisão que anda um pouco distante dos ecrãs.
« José Figueiras. “Fui expulso de uma conferência de imprensa com o Pinochet”
A brincar, a brincar o tempo passa. E o rapazinho da meteorologia dos primórdios da SIC que virou estrela a apresentar o “Muita Lôco” cresceu. Cresceu, já tem 44 anos e “uma filha quase com 18”. José Figueiras começou como jornalista na Rádio Comercial, mas deixou uma carreira “séria” para se meter na televisão. Apresentou tudo o que era programas em horário nobre na SIC, cantou o tirolês pelo país fora e apareceu em capas de revistas semanas a fio. Agora fica-se pela SIC Internacional e passa o Verão de festa em festa. “Festivais, apresentação de tudo e mais alguma coisa”, diz. Este fim-de-semana, por exemplo, vai rumar a Bragança, para apresentar a festa do emigrante. Trabalhos “que já foram mais bem pagos”, confessa. Mais de uma década depois de “Ai os Homens”, o Figueiras diz que não tem saudades do passado: “Não sou nada saudosista.” Recusa admitir que está na prateleira, mas não esconde que gostava de fazer mais coisas em televisão, só que as últimas direcções de programas não têm facilitado.
Houve uma altura, no final dos anos 90, em que aparecia em tudo o que era capa de revista e só fazia programas em horário nobre na SIC. Entretanto deixou de aparecer. O que é que lhe aconteceu?
Acho que são fases próprias da evolução das carreiras. Há alturas em que estamos mais na berra do que outras. Na altura tinha menos dez ou 12 anos do que tenho hoje e fazia sobretudo programas mais direccionados para jovens, como o “Muita Lôco”, o “Ai os Homens” ou o “Cantigas da Rua”.
E esse público cresceu?
Penso que sim. Mas eu não sou nada nostálgico, nem me agarro às coisas do passado. Fiz coisas giras e tenho orgulho de ter feito parte do crescimento e da evolução da SIC em termos de audiências. Obviamente que os tempos mudaram e a televisão também mudou, muito…
A televisão está de facto diferente. Já não há espaço para o Figueiras, é isso?
Não sei. Eu cresci muito, como é óbvio. Se calhar o [João] Manzarra está seguir um bocado os caminhos que eu percorri há dez ou 12 anos. Faz parte da evolução das coisas. Hoje estou a fazer outro tipo de programas, mas continuo a ter uma visão do que é o entretenimento muito diferente da de algumas direcções de programas. Penso que há públicos para entretenimento e para novelas. Há uns anos a aposta era, claramente, no entretenimento. Hoje é na ficção nacional – e ainda bem que assim é. Contudo, parece-me que os programas de entretenimento para toda a família, como os que eu fiz, ainda poderiam caber na televisão actual. Mas sabemos que a maior aposta das direcções de programas tem sido a ficção: novelas, novelas, novelas.
É por haver menos espaço para o entretenimento que a televisão está diferente?
Sim, mas também acho que as coisas são reversíveis e que a qualquer momento as pessoas podem fartar-se de novelas e querer outras coisas: programas como havia antigamente e nos quais a SIC foi pioneira. É uma questão de hábito, pura e simplesmente. Faz falta, na televisão portuguesa, essa vertente de entretenimento, que existe em vários países. Mas são as direcções que têm, naturalmente, a legitimidade para decidir o que querem pôr no ar. Eu gosto da fórmula dos programas de variedades, aos fins-de- -semana e às sextas à noite. Programas com música, conversa, onde cabe tudo.
Isso não é a fórmula dos programas da tarde dos três canais?
Não, porque é um público diferente.
Está a falar numa coisa mais jovem?
Sim. E numa coisa menos de bater ao sentimento e menos lamechas. Uma coisa à noite não poderia assim! No fundo isto não é nada de novo, não estou a inventar nada, são programas que continuam a ter sucesso no estrangeiro e que prendem as pessoas.
Isso seria um programa à sua medida?
Um programa à minha medida, e tenho a perfeita noção disso, é uma coisa de fim-de-semana à tarde, feita na praia, em espaços abertos. Andar na estrada, de Redondo a Bragança, contactar com as pessoas. Esses programas mobilizam as populações e cria-se uma proximidade muito real com a televisão, algo que se está a perder. E esta era a receita inicial da SIC. Claro que o grande problema agora é que não há dinheiro. De qualquer forma, parece-me que se pode apostar nessa lógica com menos meios.
Chegou a apresentar projectos às direcções?
Sim.
E o que é que lhe disseram?
Que gostavam muito das ideias. Toda a gente gostava sempre das sugestões, mas o problema era a falta de verbas. Na altura até cheguei a dizer que se fosse preciso arranjava uma equipa para ir bater às portas das grandes empresas. Mas o assunto ficou sempre de molho.
Sente que está na prateleira?
Não! Não me sinto na prateleira, porque continuo a ter capacidade para fazer coisas. Sinto é que poderia dar muito mais à casa. Só que, por questões de direcção, nos últimos três ou quatro anos… as coisas não correram muito bem. Mas no fundo não me posso queixar: até há seis anos tinha os meus programas de entretenimento. As últimas direcções é que mudaram um bocado as coisas. Há pouco tempo entrou uma nova, vamos ver. Continuo a fazer coisas, agora estou a trabalhar num programa da SIC Internacional. Mas claro que gostava de voltar ao mercado nacional. Não é porque procure fama, porque já tenho a minha dose. Não preciso de escandaleiras para aparecer, até fujo disso, mas sinto que tenho o meu público à minha espera. Sinto isso quando ando na rua.
As pessoas reconhecem-no?
Nem é a questão de ser reconhecido. As pessoas vêm ter comigo e perguntam- -me mesmo quando é que me vão voltar a ver num programa disto ou daquilo.
Tem saudades da altura em que fazia esses programas?
Não tenho saudades. Tenho é vontade de fazer coisas em televisão.
A verdade é que nem começou no entretenimento, mas como jornalista. Apesar de ser licenciado em Línguas e Literaturas Modernas…
Não cheguei a acabar o curso, andei lá três anos e aborreci-me de morte. O latim… aquilo tudo… odiei. Depois fui tirar Jornalismo para o CENJOR. Quando acabei fiquei colocado na Rádio Comercial. O que fazia era jornalismo puro e duro, era o Cavaco Silva primeiro-ministro. Há dois anos voltei a inscrever-me na universidade, em Relações Internacionais, que foi o curso que sempre quis fazer, mas não havia na minha altura. Foi engraçado, os caloiros pensavam que eu era professor (risos). Fui por uma questão de valorização pessoal. Só fiz o primeiro ano, porque entretanto apareceu-me muito trabalho e… enfim… já não voltei. Mas fiz os exames nacionais para maiores de 23 anos e tudo! Foi muito giro. Quando era miúdo achava que queria ser guia turístico, para andar a explicar os monumentos aos turistas, e sempre tive imenso jeito para as línguas. Mas não aconteceu. Recordo-me que, nas visitas de estudo, estava sempre agarrado ao microfone do autocarro a explicar os pontos por onde íamos passando.
E ainda fez trabalhos de jornalismo a sério?
Fiz coisas fantásticas. Na rádio, mandaram-me acompanhar o Lusitânia-Expresso, o barco que ia a Timor depositar a coroa de flores em Díli depois do massacre de Santa Cruz. Foi o melhor trabalho que fiz até hoje. Mas o episódio de que mais me recordo foi uma conferência de imprensa no Estoril, com o Pinochet, em que fui expulso da sala…
Porquê?
Ele estava em Portugal, mas na altura ninguém sabia quem o tinha convidado. Caiu a imprensa toda no Hotel Estoril-Sol. Cheguei e entra o Pinochet, ar muito general e tal. Começaram as perguntas e eu levantei-me e perguntei quem é que o tinha convidado a vir. Gerou-se um burburinho, apareceram uns seguranças e fui expulso da conferência de imprensa. Foi a notícia do dia.
Nunca pensou em voltar a meter-se no jornalismo?
Não se proporcionou. Entretanto abriram os canais privados, mandei o meu currículo e a verdade é que não fui escolhido. Um dia encontrei um anúncio no jornal que dizia que um canal privado a abrir brevemente estava à procura de comunicadores. Fiz os testes, aquilo pareciam as filas do “Ídolos”, e fiquei. No final é me disseram que era para apresentar a meteorologia. Foi um balde de água fria. De qualquer forma, estava nos quadros da rádio e conseguia conciliar as duas coisas. De manhã estava na Comercial a fazer informação e à tarde ia para a SIC. Até que um dia me cruzei num corredor com o Emídio Rangel e mudou tudo.
Porquê?
Ele ia a passar e disse-me: “Preciso de si a tempo inteiro aqui na SIC.” Fiquei assustadíssimo e disse-lhe que não podia ser, porque também estava na rádio e na SIC estava a recibo verde. E ele, à típico Emídio Rangel, disse-me que saísse da Comercial logo no dia seguinte e que me fazia um contrato, tipo merceeiro. Eu respondi que teríamos de falar melhor sobre o assunto e fiquei de ir ter ao gabinete dele no dia a seguir. É claro que cheguei lá e ele já nem se lembrava da conversa do dia anterior [risos]. Mas conversámos, eu larguei a Comercial e continuei a fazer a meteorologia por uns tempos. Muitos colegas diziam-me que eu só podia ser estúpido por deixar uma carreira de jornalismo sério para me tornar num rapazinho do tempo. Passados uns meses, o Rangel e o Ediberto Lima vieram ter comigo e apresentaram-me o projecto do “Muita Lôco”. Fiquei em pânico: será que vou conseguir fazer isto? E foi assim que começou a minha carreira em televisão.
É verdade que fez anúncios de preservativos?
[risos] É. Foi antes da rádio, antes de tudo. Inscrevi-me numa agência para fazer um anúncio, não sabia o que era. Tinha de fazer uma declaração à Julieta, que estava numa varanda, e ela mandava-me um balde de água para cima. No segundo dia tocava-lhe à campainha e mostrava-lhe um preservativo.
Os seus pais não devem ter achado grande piada a isso…
Pior ainda! Eu andava no 12.o ano e comecei a ser reconhecido, no autocarro, no comboio, como o gajo dos preservativos. Na escola foi um gozo terrível.
E os seus pais?
O meu pai não ligava nada a essas coisas, só me dizia que escolhesse uma profissão decente e, mesmo quando entrei para a televisão, achava que eu devia era arranjar um trabalho a sério. Ele trabalhava numa fábrica (eu cresci em Queluz) e a minha mãe tomava conta de nós. E então ele achava que eu devia seguir um ofício – podia ser um bom electricista, engenheiro, pedreiro. Uma profissão de homem e nada de palhaçadas. O meu pai sempre foi uma pessoa muito reservada e, mesmo quando entrei para a SIC, não disse nada. Mas é engraçado que quando lia as notícias na Comercial ele ouvia e comentava. Mas se se falasse de fazer disso profissão vitalícia, ele mudava de assunto.
Anos depois casa com uma austríaca. Como é que isso aconteceu?
A Eva trabalhava, ainda trabalha, na embaixada e conhecemo-nos numa noite dos santos populares. Costumo dizer que deve ter sido obra do Santo António [risos]. Ela mal falava português e eu mal falava alemão, mas lá nos entendemos. Já lá vão mais de 20 anos e temos dois filhos, a mais velha já tem quase 18 anos e parece que foi ontem. É terrível.
Ganhou uma afinidade enorme com a Áustria…
Sim. Faço questão de lá ir uma vez por ano. A Eva e os miúdos vão mais vezes, visitar os avós.
É uma cultura muito diferente.
Sim. Eu não conseguiria viver na Áustria o resto da vida. Já pusemos essa questão. Talvez um dia, quando nos reformarmos, passemos metade do tempo lá e outra parte aqui. Acho que há coisas maravilhosas no nosso país. O clima, a comida, as pessoas. Adoro esta confusão saudável e muito portuguesa, mas também gosto do lado muito civilizado da Áustria. Mas é civilizado de mais, é muito organizado! As pessoas são mais educadas, mas mais frias, com temperamento germânico. Gosto da nossa desorganização, do nosso caos, da nossa hospitalidade, do nosso acolhimento e do nosso sol. Mas para compensar a Eva por estes anos todos passados em Lisboa, e como temos casa lá… talvez possamos ir no Inverno para a Áustria e passar o Verão cá. Mas pegar nas malas e ir para lá de vez, isso não conseguia.
A dada altura até passou a cantar o tirolês…
Pois foi. Apanhou aqueles anos brutais em que eu não parava. Cheguei a fazer um disco com a banda “Muita Lôco”.
E vendeu alguma coisa?
Então não vendeu? Foi disco de ouro! Tenho-o lá em casa, venderam-se mais de 25 mil cópias.
Guarda muitas coisas dessa altura, recortes de revistas?
Não, mas há uma divisão da casa, uma espécie de escritório, em que emoldurámos as capas das revista todas em que eu saí na altura. É o cantinho das recordações. Na altura recortava. Agora já passou e já não penso nisso.
E passados estes anos todos ainda lhe pedem que cante o tirolês?
Então não pedem! Não há festa nenhuma em que não me peçam! Ainda há uns tempos fui apresentar o Moda Faro – uma coisa superelite nas muralhas de Faro, num ambiente glamoroso, tudo muito chique. No final do desfile, com as tias todas e as figuras públicas sentadas na primeira fila, o povo começa a pedir-me que cantasse o tirolês. E lá tive de quebrar o protocolo e cantar. Isto para dizer que não há sítio nenhum onde não tenha de cantar o tirolês. Costumo dizer, na brincadeira, que hei-de ser velhinho, de canadianas e cadeira de rodas, e hão–de pedir-me que cante o tirolês [risos].
Já pensou que a geração que via o “Muita Lôco” é a mesma que hoje está à rasca?
Curiosamente, tenho uma história bem recente que até contradiz isso. Fui acompanhar a minha mãe ao Hospital Amadora-Sintra para fazer uns exames e o médico, estetoscópio ao peito, veio ter comigo e disse-me que assistia a todos os programas, que eram gravados na Valentim de Carvalho. Achei extraordinário, genial. Mas sim, a malta que agora tem 30 e poucos anos é a mesma que na altura invadia o estúdio, com 13, 14, 15 anos.
E não gostava que o tempo voltasse para trás?
Não. Não sou nada saudosista. Gosto é que as coisas andem para a frente. Há momentos fantásticos do passado que são para recordar, mas não me agarro a isso. Pelo contrário, estou sempre a olhar para o futuro. Farto-me de apresentar propostas, estou sempre na expectativa de que para o ano é que é, vai aparecer um projecto fantástico. E depois… estou a chegar a uma altura da vida – já tenho 44 anos – em que a minha profissão e a minha carreira são importantes, mas em que já se começa a pensar de outra forma. Já se quer um pouco de paz. Estivemos há pouco tempo na Florida e até comentámos, meio a brincar, que um dia, quando nos reformarmos, vendemos tudo em Portugal e vamos para ali! Hoje penso sobretudo no futuro, no bem-estar da minha família. Gostava de ter uma reforma feliz, tranquila e com qualidade de vida. Mais do que andar obcecado com os programas que vou fazer na próxima época. O passado já foi. E foi tão giro… Olho para os discos de ouro, para as fotografias, foi tudo maravilhoso. »
In: http://www.ionline.pt/conteudo/142610-jose-figueiras-fui-expulso-uma-conferencia-imprensa-com-o-pinochet, a 11 de Agosto de 2011, em Jornal I
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