Hoje e para se começar bem a semana, trago um artigo interessante, desta feita, feito pelo Grupo Novo Rock, mais conhecido pela sigla de GNR…
« GNR. “As coisas mais engraçadas ainda estão para acontecer”
Aos 30 anos de vida a banda aterra com “Voos Domésticos”. De bagagem pesada, o trio falou do passado com olhos postos no futuro
É numa mesa redonda que os três membros do grupo conversam entre si. Um fala, outro interrompe, outro ri-se, mais uma história, mais uma gargalhada, piscar de olho para aqui, acenar de cabeça para ali. Recordam um concerto, uma pessoa, uma música. Esquecem-se da pergunta. O Grupo Novo Rock esteve para se chamar Trompas de Falópio, sobreviveu à ressaca do rock, rebentou pelas costuras o Estádio de Alvalade, com um público ansioso por fazer de coro a “Dunas” e chega aos 30 anos de carreira com a convicção de que a banda é a coisa mais importante das suas vidas. Em 1981 era editado “Portugal na CEE”. Três décadas depois, Rui Reininho, Tóli César Machado e Jorge Romão apresentam “Voos Domésticos”, disco que oferece um novo twist aos clássicos dos GNR. Coincide com o festejo do aniversário redondo, mas não é para o celebrar, garantem.
Como é olhar para trás e ver passar estes 30 anos?
(Tóli César Machado) É bom e é mau. É bom porque me sinto bem, é mau porque passou muito depressa. É um instantinho.
(Rui Reininho) E com a viragem do século é ainda mais complicado, dizer que somos músicos do século passado.
Os “Voos Domésticos” vêm fazer as honras da comemoração?
(TM) Este disco não é por causa dos 30 anos, coincide com os 30 anos do grupo mas não fizemos o disco para o aniversário. Continuamos no activo, isto não é um come back, continuamos a fazer digressões, tivemos um disco de originais o ano passado… Este ano pensou-se que seria interessante fazer uma coisa mais abrangente, pegar em discos e gravá-los outra vez. Não é aquele aproveitamento, daquelas bandas que já não fazem nada e que de repente voltam. E não é “vamos fazer 30 anos e um disco em forma de best of”. Aliás, são 30 anos ininterruptos, sem pausas.
Não é um ritmo um pouco cansativo?
(TM) Sei que é bom poder parar mas aqui não se pode, é impossível. Mesmo a pequena estrutura que nós temos não nos permite fazer isso. É um bocado como os bombeiros, estar sempre ao pé do telefone.
E como é que tudo começou? Quais eram os principais objectivos dos GNR?
(RR) Depois de ver estes senhores a tocar, fui-lhes fazer uma entrevista, portanto podemos ter aqui uma candidata a entrar nos GNR [risos].
(TM) Os objectivos de qualquer grupo são gravar um disco e tocar. Não se pensa que vai durar não sei quantos anos ou que vai parar aqui e ali ou que vai tocar lá fora. É o prazer de tocar e de ser visto a tocar e gostar da sua música. Passa apenas por isso. E as coisas vão acontecendo e as ambições vão sendo diferentes
(Jorge Romão) Enquanto permanece o gosto de tocar é arriscar.
(RR) Arriscar sempre, não é? Ir aos Coliseus, ir a Lisboa, são pequenas metas. E aquela história dos estádios…
(TM) Agora preferimos sítios mais pequenos [risos] de outra maneira, uma coisa mais assim para a nossa idade, mais tranquila e intimista. Nos festivais as pessoas também gostam mais.
(JR) Da maneira como as coisas estão também já não há quatro estações, não se pode programar um espectáculo ao ar livre em Setembro.
Hoje em dia gostam de fazer espectáculos mais pequenos, intimistas?
(TM) Não é gostar, são coisas diferentes. Eu agora acho mais piada porque é o espectáculo que estamos a fazer, mas gosto das duas coisas. Fizemos no Delta Tejo, com a orquestra da GNR tal. Eu gosto de fazer as duas coisas.
O que recordam melhor do dia em que encheram o Estádio de Alvalade?
(RR) Por acaso tenho uma memória fresca, porque passou na RTP Memória há algum tempo. É engraçado ver como aquilo foi filmado, com as condições da época, está a fazer 20 anos. Mas a memória é recente.
(TM) Por acaso quando falaste em 20 anos pensei que era menos.
Quando dão grandes espectáculos não ficam com receio de não conseguir alcançar esse nível novamente?
(RR) Isto é um bocadinho como as paixões, uma pessoa pensa sobre uma paixão que tem há 20 anos: “Será que vou tornar a apaixonar-me?” Eu acho parecido. Se acontecer, tudo bem, se não, não vivemos de recordações.
Há alguma situação ou peripécia particular de que se lembrem desse dia?
(TM) A única coisa que recordo não posso contar.
(RR) Recordo de ter estado ali a dar uns toques numa bola de vólei cá fora.
(TM) Lembro-me que parecíamos uns palhaços todos maquilhados. Parecíamos o Batatoon. Mas quando íamos para a televisão tínhamos de ser assim.
(RR) Foi diferente no sentido em que fomos para lá com um dia de antecedência. É engraçado aquilo, foi quase um casamento de ciganos, durou três dias, para aí. Os festivais eram menos frequentes e foi a primeira vez que participámos assim numa estrutura tão grande.
(TM) Aquilo era um bocado brincar às superbandas, não é? Como ser os Rolling Stones, não é? Aquela ideia que as equipas vão à frente e só temos de chegar e fazer. Nós não, somos os primeiros a chegar e os últimos a sair.
(RR) Tem de se ter o trabalho de casa bem feito.
(JR) Tecnicamente convém.
(TM) É como nos discos, aquilo é “rec”, toca a gravar, não vamos para lá fazer palha, fazer jam sessions, estar lá a curtir. Tenho mais que fazer.
E como é que surgiu a ideia para o nome da banda?
(TM) O nome… já nem sei de quem foi a ideia, minha não foi. Havia outros nomes em cima da mesa, esse era o mais engraçado. Havia outro nome, Trompas de Falópio, era assim um disparate. Havia assim uma série de nomes, esse era o que tinha mais graça. E chamava a atenção por causa das siglas, iguais à da guarda.
E o primeiro impacto? Perceberam logo que podiam ter sucesso com o “Portugal na CEE”?
(TM) Por acaso quando foi o lançamento não era o boom do rock na altura, as coisas correram muito bem, nem sei se foi disco de ouro. Mas quando fizemos o segundo disco já era a ressaca do boom do rock e era um disco um bocadinho mais ousado. Mas pronto, teve altos e baixos, não se tem noção se se vai ser grande ou não – se é que somos grandes, que eu na verdade não tenho essa noção. Realmente há discos que se vendem mais do que outros, mas nunca fomos uma banda muito de top.
Passados tantos anos, os vossos sucessos continuam a ser ouvidos por diferentes gerações, há miúdos que ainda aprendem a tocar viola com as “Dunas”.
(RR) As pessoas lembram-se, fica essa parte afectiva e recíproca.
(Tóli) Acho que este disco é um bocadinho para essas gerações, para ouvir estas músicas com uma roupagem um bocadinho diferente. Mas também não é do género “toda a gente sabe tocar as nossas músicas”. Conhecem uma ou outra…
(JR) Ainda agora no Delta Tejo alguém disse “ah, esta música é dos GNR?”
E o rock que se faz hoje em dia?
(TM) Em Portugal aparecem e têm aparecido muitas bandas rock. Coisas boas.
(RR) Mas com um formato muito pop, não é? As pessoas adoptaram muito aquela questão das músicas realmente não ultrapassarem os dois, três minutos, não há aquele solo de outros tempos, parece que já está um pouco démodé.
E o que é que se ouvia na altura, quando nasceu a banda?
(TM) Eu ouvia muito Talking Heads, Elvis Costello. Também gostava bastante dos Rolling Stones e de coisas mais distintas, de rock sinfónico.
Assistiu-se a algumas entradas e saídas no grupo, nomeadamente do Vítor Rua e do Alexandre Soares. Alguma vez chegaram ao ponto de ruptura? De pensar que podiam acabar?
(TM) Tivemos fases más, mas nunca se pensou em acabar, pensou-se sempre em começar. Houve uma crise muito grande que é coincidente com a entrada do Jorge e foi também a altura da crise económica do país, em 83. Foi uma altura a seguir ao boom, veio tudo por aí abaixo. Fixámos a banda talvez a partir dos anos 90, foi com a saída do Alexandre, que saiu duas vezes [risos].
(RR) A certa altura houve umas crises e uns processos e isso acaba por dar mais união. Uma pessoa acorda maldisposta e tem duas soluções: ou desiste ou anda para a frente e enfrenta as contrariedades e as animosidades. Não é muito fácil, sem querer ser choninhas ou queixinhas, mas há um tipo de força numa imprensa, específica, especializada, em cortar. Isto não serve, isto não vai servir, isto já acabou. Fazem funerais antecipados por ser giro, porque não têm mais nada de que falar e porque não conhecem, também. Acabaram mais jornais e programas que bandas. E continuamos aí. Hoje acho que é mais difícil uma pessoa sobreviver ao segundo disco, o primeiro pode correr bem mas o segundo se não corre bem é quase morte anunciada.
Dentro da banda cada um sabe o seu lugar?
(RR) É espontâneo isso, e nós damos connosco a tratar de tudo. Aquilo de que se fala lá fora, de management, não é muito eficaz em Portugal. São pessoas normalmente muito pouco qualificadas. Acabamos por ser nós a tratar de tudo. Eu posso dizer 30 vezes que tenho vertigens e que não posso ficar acima de um terceiro andar, não me adianta nada.
(TM) E eu que não me importo acabo sempre no terceiro.
(RR) Muitas vezes temos de nos relembrar uns aos outros para fazer cumprir horários.
Chegaram aos 160 mil discos vendidos com o “Rock in Rio Douro”, por exemplo. Os GNR são abastados?
(JR) Não vivemos mal, mas abastados também não. Vivemos sem saber o dia de amanhã, isso é verdade, sem subsídios.
(RR) Não me posso dar ao luxo de dizer vou parar agora este Verão. Já estou para ir ao Butão há cinco anos!
(TM) Ao Bolhão? [risos]
(RR) É um ponto pequenino enfiado ali entre o Paquistão e o Nepal… Não gostam de turistas, acham que os turistas estragam, então tem de se marcar a visita com antecedência de dois anos. Mas depois nunca dá jeito porque estamos sempre à espera que o telefone toque. É só um exemplo de como as coisas podem ser difíceis.
[O telefone toca.]
(TM) Ó diabo! Ganhou uma viagem ao Butão. [risos]
Isso quer dizer que a banda é a prioridade das vossas vidas? Ou um capricho juvenil?
(RR) É um bocadinho isso. Pode dizer-se que não é como aqueles torneios de ténis para seniores, faz parte das nossas vidas. Isto não é um part-time.
(TM) Se a situação está má, tem de se fazer mais. Eu não posso fazer outra coisa, não sei fazer mais nada.
Os GNR são amigos fora do palco?
(RR) Com certeza que somos minimamente solidários, seja por amizade, seja por amor ou interesse. Vamos tomando decisões, este é um meio com muita entropia, muita queixa. Tem é de se ser positivo nestas fases. Já ouvi dizer duas vezes que o seu jornal ia acabar e vocês aguentam-se, dizem que “o i não tem pernas para andar e tal”, mas continuam a publicar, não é? É um pouco esse espírito, está tudo ligado.
Quando ouvem uma música vossa, num café, na rádio, o que fazem?
(JR) Ponho-a mais alto!
(RR) Às vezes as pessoas no supermercado presenteiam-nos e põem a música mais alto, isso é um bocadinho embaraçoso. Até porque às vezes enganam-se e metem de outro. Do género “esta música é muito bonita” – e é dos UHF. E, sem ser pretensioso, acho que grande parte das músicas já não nos pertence, não é?
Para este CD tiveram de estudar muita coisa passada…
(TM) O trabalho de regravarmos coisas de que já não nos lembrávamos, para tirar notas e acordes… Achei piada a ouvir coisas que não ouvia há anos. Mas há coisas que não gosto de ouvir, são um bocado naifs, não é? Por isso é que gravámos este disco. Algumas que achamos que mereciam ser mexidas, outras que tentámos e não conseguimos, outras que foram complicadas, como o “Sangue Oculto”, que é muito difícil, porque é um hit. É como o “Dunas”, que é ainda pior. Nem tentámos.
Depois de tantos anos a actuar ao vivo, nunca se fartam?
(TM) Não damos muitos, queríamos era dar mais. Isto é um bocadinho como o desporto, como jogar futebol. O que cansa é fazer poucos jogos, não é fazer muitos. Porque com poucos não se tem o ritmo de espectáculos que é preciso ter.
(JR) A espera é que cansa.
(TM) Se bem que isto é um bocado como a bicicleta. Com a rodagem que temos dos anos já quase fazemos isto de olhos fechados. Mas aquele ritmo de concerto, o timing de espectáculo, é uma coisa que só se tem se se tiver 15 ou 20 datas. E uma pessoa até fica a dormir melhor.
Que recordações vos tiram mais o sono?
(TM) Ui… As recordações são tantas… Quando o palco cedeu, e ele desapareceu… [Rui Reininho]
(RR) Parti quatro costelas.
(TM) Também estivemos fechados com um gajo num camarim com uma pistola. Porquê? Isso agora…
(JR) Era uma festa de Carnaval!
(RR) As coisas mais engraçadas estão para acontecer, de certeza. »
In: http://www.ionline.pt/conteudo/138740-gnr-as-coisas-mais-engracadas-ainda-estao-acontecer, a 23 de Julho de 2011, em Jornal I
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